VIVAS

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O novo pensamento econômico sobre a água

 
No Brasil, a água custa centavos. Nas tarifas de todo o país estão embutidos os preços de captação, tratamento e distribuição. No entanto, desde a Lei das Águas, de 1997, a água, um recurso finito, também ganhou um preço. Em algumas regiões do Estado de São Paulo, ela varia entre 2 centavos e 12 centavos. E essa tarifa se mantém, seja em períodos de seca, seja nas épocas de abundância. Simbólico, o custo indica que esse bem essencial é farto, inesgotável e fácil de extrair. É o oposto do que mostra a crise atual em todo o país.

“Quando acordamos pela manhã e abrimos a torneira, temos acesso a uma quantidade de água ilimitada pela qual pagamos menos que pelo serviço de celular. Isso nos fez acreditar que a água é infinita”, diz o americano Robert Glennon, professor de políticas públicas da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, e autor dolivro Unquenchable: America’s Water Crisis and What to Do About It (Inesgotável: A Crise de Água Americana e o que Fazer Sobre Isso, sem edição em português), publicado em 2009. “No entanto, nossa fonte de água é fixa e finita: é como um grande copo de milk-shake com um número infindável de canudos. Muitos lugares permitem que esse número ilimitado de canudos seja usado, uma receita para um desastre previsível que começa a se manifestar em rios secos e falta d’água para beber. Por isso precisamos colocar um preço apropriado na água: quem usa mais tem que pagar mais.”
 
ÁGUA BARATA De acordo com os economistas, o mercado é uma importante ferramenta para racionalizar o uso da água e prevenir as crises. Pequenas intervenções têm impactos tremendos, que podem resolver secas históricas ou combater o desperdício do valioso bem.

“Nos EUA, os agricultores usam cerca de 80% da água. Uma pequena redução nesse consumo dobraria o fornecimento para todos os municípios e uso industrial. Falo de reduções pequenas, como diminuir esses 80% para 76% - isso dobraria o fornecimento para todo o uso comercial e residencial”, diz Glennon.

Segundo o americano, a maneira mais simples de modificar esses números seria criar uma taxa adequada sobre a água. A tarifa indicaria como e onde a água deve ser economizada. Ela seria baixa para os metros cúbicos necessários para as tarefas básicas cotidianas - para garantir que chegue a todos - e aumentaria, gradualmente, a partir desse nível.

“Deve haver blocos de taxas crescentes, que seria o mesmo que dizer: quanto mais água é usada, mais é pago por essas últimas unidades. Inacreditavelmente, em muitos lugares, há taxas fixas para uso ilimitado de água. Esses blocos deveriam ser ajustados por temporadas para considerar o fato de que durante o verão, quando o uso da água aumenta, isso se dá para abastecer os jardins da casa ou as piscinas. Não me oponho a isso, mas acredito que se alguém quer uma piscina, então que pague por isso”, diz Glennon.

 


NOSSA CONTA
Os recursos obtidos com a precificação correta da água poderiam ser destinados a outros fins que ajudem a conter crises hídricas. Grandes reservatórios, como a Cantareira, que atende 9,8 milhões de paulistas - 8,4 milhões só na capital -, são rodeados por terras que precisam de boa infiltração. É a penetração da água das chuvas no subsolo que alimenta os lençóis freáticos e leva água para reservatórios e represas. No entanto, pastos ou terrenos com pouca vegetação fazem com que a água escorra e eliminam essa reserva.

“Há técnicas de manejo de pasto que promovem a melhor infiltração das águas. Mas é preciso pagar os agricultores para que façam essa adequação. E o dinheiro para isso vem do preço da água”, diz o economista Ademar Romeiro, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A primeira experiência desse tipo foi feita em Nova York, há 25 anos. A prefeitura usou os valores arrecadados com os consumidores para pagar os agricultores e moradores ao redor do seu principal reservatório para que mantivessem o solo adequado à infiltração: compraram as terras e substituíram gado por produção de vegetais. No Estado de São Paulo, experiência semelhante é feita no município de Extrema, há dez anos.

“No entanto, no Brasil, quem paga por isso é a prefeitura, enquanto o correto seria que os usuários pagassem por esse serviço”, diz o Romeiro. Segundo estudos feitos na Unicamp, o financiamento desse tipo de serviço significaria 1 real ou 2 reais a mais nas contas de água do consumidor comum.

“Esse tipo de serviço é uma variável-chave para a contenção de crises. O uso das terras na bacia de captação tem que ser adequado e temos que pagar por isso. É legal, economicamente viável e fácil de ser colocado em prática”, diz Romeiro. “Nós pagamos muito pouco pela água. Certamente não pagamos o necessário para tornar sustentável o nosso consumo de água de qualidade.”

Fonte: Planeta Sustentável.
 

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